quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Estrangeiro

 Dois anos atrás eu estava em Porto Alegre, lugar especial para mim, onde eu esperava me encontrar, me identificar. Não foi o que aconteceu. Talvez tenha sido o tempo, a distância que me fez desacostumar com o lugar, com as pessoas. Na verdade, o lugar eu senti que ainda me encantava, mas as pessoas já eram muito diferentes. Só conseguia pensar que já tive aquele sotaque, já tive aquele jeito e naquele momento eu não me reconhecia mais ali. Eu era um estrangeiro.

Pensando melhor, não foi só naquele dia em Porto Alegre que me senti assim, aos poucos as coisas foram clareando na minha cabeça e percebi que era um sentimento de falta antigo, desde meu crescimento naquele lugar. Comecei a perceber que não tinha uma identificação profunda com as pessoas que cresci desde muito tempo. Ali, dois anos atrás, apenas tive uma epifania sobre um processo mais longo.

Pensando por aqueles dias e hoje também, depois compartilhei tal história com alguém que me definiu como estrangeiro. Pois é, estrangeiro na minha própria terra e povo. Acho que a pessoa encontrou a palavra que procurei por 28 anos, aquela que me deu um sentido, um significado para um eterno sentimento de "fora do lugar", do constrangimento em ser, ou melhor, de não saber o que era esse meu ser. Inadequação permanente aos grupos.

Depois de tudo isso eu fiquei pensando nos motivos, eu não sei, eu pertenço a qual grupo? Parece que não concordo com uma sujeito sequer, sempre tem um porém, um desconforto que não sei nomear. Aí eu fiz o comum nos tempos de hoje, olhei para a internet, não me parecia haver uma resposta, mas eu também não a tinha. 

Olhando meu celular por um tempo, encarando, esperando que ele falasse comigo, mas só apareciam notificações: era a loja, o banco, a operadora, o trabalho, o trabalho, o trabalho. Percebi que resumi a vida a instituições, falta gente, falta meu grupo. E quando eu tento acertar isso, parece que faço tudo errado, eu questiono, penso em algo que me chamou a atenção, até procuro compartilhar, mas só recebo o vácuo, nada, Parece que mais uma vez falei o que não devia, duvidei do que não deveria, talvez tenha perdido mais uma chance de grupo, de pertencer. Minha falta de sensibilidade não chega a ser uma novidade.

Ainda tem esse vácuo, eu não consigo encontrar respostas, só vejo vazios e me pergunto onde foi que errei. Como sempre faço, fui anotar o último pensamento numa esperança de voltar a refletir melhor no futuro. Minha última anotação não foi uma afirmação, foi uma questão: por que eu não demandei a presença dos outros?

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Adeus a alguém especial.

Aquele fundo de sala não será mais o mesmo.
Vai faltar alguém.
Uma pessoa singular, e não se trata da obviedade da constatação.
Alguém especial.
Alguém que ouvia.
Alguém que questionava.
Alguém que falava.
Uma estudante dedicada.
Eu prefiro ficar com a lembrança da sua marcante existência.
Até nisso preciso ser materialista.
Queria dizer "até semana que vem".
Mas dessa vez será um adeus.
Tchau, minha cara, tchau.
Você vive na minha memória.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Porque saí da extrema esquerda.

  Sempre fui bastante curioso, onde tive oportunidade de ver ou conhecer algo eu ia, mesmo que de forma tímida, só observando. Isso se reflete nos meus posicionamentos políticos, embora sempre dentro do que se poderia chamar de esquerda, dentro dela eu fui de uma posição mais reformista até o extremo, sonhando em construir uma sociedade não capitalista como objetivo último.
  Comecei a me afastar da extrema esquerda em 2013 se não me engano, principalmente por perceber que ela se parecia com a extrema direita em alguns aspectos e isso me preocupou, vi que essa já não era a posição que contemplava politicamente. Acho que as semelhanças que vejo entre os extremos políticos estão em três pontos. O primeiro é o dogmatismo, enquanto a extrema direita se apega ferrenhamente a certas tradições como a religião, a extrema esquerda se apega a alguns pensadores e os transforma em deuses inquestionáveis. O segundo ponto é a crítica à democracia, o problema não é a crítica ao modelo representativo que temos, críticas sempre são bem-vindas eu acho, mas a tranquilidade em se falar sobre romper com o mínimo de democracia que temos ou dizer que dá no mesmo viver em ditadura ou democracia dentro do capitalismo, o que sempre achei bastante questionável. Sem contar a forma como organizam seus partidos, o discurso é democrático, as práticas nem tanto. O terceiro ponto é o elitismo, em geral sujeitos homogêneos, há pouca diversidade nas suas organizações no que diz respeito aos membros e também ao que trazem de debate, até porque, como disse, costumam ser dogmáticos e estreitos nas vivências que proporcionam onde militam.
   Continuo considerando a extrema esquerda importante aliada na luta política, mas não consigo me ver nela pelo que citei, não são pontos conciliáveis, pelo menos não por ora, pois teria de me questionar menos sobre o que acredito ou não. Acho que posso aprender coisas com ela, por isso acompanho como posso o que andam fazendo as organizações de extrema esquerda, até porque têm membros muito inteligentes, bons pesquisadores, bons militantes.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Política e internet: uma observação sobre discursos.

    Alguns grupos são considerados inadequados pra participar da política porque não dominam o discurso "racional", ou seja, não dominam a língua formal cobrada nas instituições escolares, são mais emotivos em suas falas, não comedidos. A defesa desse tipo de ideia é eliminar do espaço público a maior parte da população, eliminar mulheres porque são vistas como sentimentais, eliminar a população pobre que não tem alta escolaridade. A decisões ficam nas mãos de poucos que constituem um grupo mais homogêneo. 
    Olhando as discussões de internet é fácil perceber como isso se reproduz, os comentários mais bem escritos do ponto de vista da língua formal, mais "moderados", vistos como equilibrados, tendem a ser melhor recebidos e até usados para defender o seu escritor e suas virtudes por isso, de forma resumida visto como alguém decente, bom sujeito. Por outro lado, quem escreve com erros, em um tom tido como mais agressivo, acaba por ser ridicularizado, tem seus argumentos diminuídos por esses fatores, ou seja, se não domina o discurso racional, não é visto como digno de estar ali de alguma forma ou não merece ser ouvido, como diriam alguns: "daí perde a razão, né"? 
    Nesses pequenos detalhes podemos perceber de que lado cada um está, se quer incluir ou excluir pessoas da política, do espaço público. Quem é mais ou menos democrático para além da retórica oficial, observando o que está nas entrelinhas.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Nota sobre observações sociais/comportamentais

  Há uma barreira que não é tão simples de ser quebrada entre a consciência de algo e a mudança de comportamento esperada a partir daí. Por um grande período você é socializado de uma forma e quando entende que isso precisa ser mudado a mudança não será automática, mas gradual, suscetível a erros e recaídas, aos poucos deixando de serem automáticas e naturais certas formas de agir para incorporar as novas. O problema pode ser lidar com os erros identificados no processo de adequação do comportamento, você pode conseguir lidar com isso de forma mais tranquila ou se retrair pelo medo do erro, pois depois de feito a nova consciência vai lhe cobrar, dependendo do alcance dessa cobrança, a pessoa pode sucumbir, se anular, ter medo de arriscar. Certamente o ambiente que o indivíduo encontrar e as pessoas podem ajudar ou atrapalhar, facilitar ou dificultar, incentivar ou não. O esforço será não jogar tudo fora, mas aprender a controlar aos poucos o equilíbrio da razão e do agir por impulso, tendo que contrariar anos de treinamento, de condicionamento por uma nova forma de ser, pensar e agir.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O que é ser adulto?

   Após mais um fim de semana catastrófico me pego sentado numa calçada, bebendo água, no meio da tarde conversando com um amigo e pensando na vida. Dentre esses questionamentos eu me perguntei o que é ser adulto? Algo que eu não sinto, embora seja visto socialmente como um e cobrado por ter comportamentos esperados para tal condição.
  Bom, podemos considerar um aspecto de idade, ser maior de dezoito anos, por exemplo; talvez uma questão psicológica, como alguém maduro, consciente e capaz de certas responsabilidades da vida; pode ser um critério biológico de uma etapa de desenvolvimento da vida; pode ser um aspecto social como a possibilidade de fazer coisas proibidas a outros sujeitos, tais como casar, trabalhar, morar sozinho.
  Seja qual for a visão adotada, não consigo me associar a nenhuma. Estudo, tenho emprego, pago minhas contas, consigo discernir o certo do errado, cumpro com minhas obrigações (e é raro alguém que possa dizer que descumpri um acordo ou a palavra empenhada), desde criança sempre tive comportamentos considerados bastante responsáveis, mas enfim, nada me traz uma identificação com o mundo adulto. Nesse caso, o que fazer quando a expectativa social não corresponde à minha identidade? Eu só consigo me sentir deslocado.
  No que dependesse de mim, só leria e correria, nada mais que isso, sem nenhuma outra responsabilidade, até porque todo o resto que faço não vejo muito sentido, fico me perguntando para quê o desgaste? Talvez seja o que uma amiga me falou: -"você não odeia a sua vida, você odeia o capitalismo". Mas não sei, meu desconforto existencial me acompanha desde a infância, desde sempre, desde que tenho memória.
  Não encontro respostas satisfatórias para tais questões, acho que estou distante de resolver meus conflitos identitários, nesse caminho só alimento ansiedades e vícios para esquecer dos dilemas, num caminho que pode ser bastante perigoso, que me levou para mais uma calçada e preocupou pessoas queridas. Em síntese, como diria a música da banda Vespas Mandarinas, "eu não sei o que fazer comigo".
 

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Sobre Inadequação social

    Inadequação social é se sentir desconfortável com todo mundo, estranho, como se fosse algo inacabado ou fora do lugar. Não falar muito por não saber o que falar, não dar continuidade aos diálogos, ter de forçar algo que não lhe é natural, normal.
   Sentir que mais incomodo do que ajudo. Se perceber pouco ou nada interessante, indiferente em qualquer lugar ou situação. Ter a percepção de que está atrapalhando se puxar assunto ou em qualquer outra ação. Se não te responderem, negarem, adiarem, significa confirmar que você não nasceu para viver em sociedade. 
   Pode ser um sentimento ambíguo de querer estar e, ao mesmo tempo, não querer mais estar com os outros. De repente você se sente deslocado, inapropriado, sentindo que não lhe querem por ali. Se sentir evitado, rejeitado, desnecessário.
   Um infinito sentimento de incompletude, desconforto por se sentir suplicando uma atenção e então é melhor deixar pra lá. Se sentir isolado e incomodado com isso, mas sem conseguir resolver, sem poder confiar, sem segurança para se abrir ou arriscar. Encontrando uma solução temporária no álcool, por exemplo. Em tese você pode até saber o que fazer, mas ter consciência de algo não implica em ação ou domínio de prática, até porque essa realidade pode estar distorcida, idealizada em relação ao que é para os outros por conta de sua debilidade social, acarretando uma perspectiva sempre negativa do que fez ou faz. 
   É se sentir um eterno estorvo para você e para os outros, um chato que assim justifica sua solidão. Algo desnecessário. Insignificante por, aparentemente, não conseguir sentir nem retribuir. 
   Em síntese: eterna insegurança, desconforto, isolamento e sentimento de abandono em relação aos outros.